Aquele susto ao abrir o armário de relíquias
Você decide que hoje é o dia de revisitar a infância. Abre o armário, tira aquela caixa empoeirada e, quando puxa o seu querido Super Nintendo ou o clássico Game Boy, vem o choque: o que era para ser cinza claro ou branco agora está com uma cor de cigarro antigo, um amarelo encardido que dá até dó de olhar. Não precisa entrar em pânico e nem achar que seu console está sujo de gordura ou algo pior. Esse fenômeno é extremamente comum no mundo do retrogame e tem solução. O que você está vendo é o resultado de uma reação química no plástico ABS, e a técnica para reverter isso é o famoso Retrobright. Se você quer ver sua coleção brilhando como se tivesse saído da loja em 1990, senta aí que eu vou te explicar tudinho, sem frescura e com todos os macetes que a galera da restauração usa.
Por que o plástico vira um queijo suíço visual?
Antes de a gente colocar a mão na massa, é legal entender por que isso acontece, até para você não achar que limpou errado da última vez. A maioria dos consoles das décadas de 80 e 90 foi fabricada com um plástico chamado ABS. Para que esses aparelhos fossem seguros e não pegassem fogo facilmente (exigências de segurança da época), as fabricantes adicionavam retardadores de chama à base de bromo na mistura do plástico. O problema é que o bromo é instável quando exposto à luz ultravioleta (UV) e ao calor. Com o passar dos anos, os fótons da luz interagem com as moléculas de bromo, que acabam se desprendendo e subindo para a superfície, criando essa camada amarelada ou até marrom. É literalmente uma reação química profunda, e é por isso que passar apenas água e sabão não resolve nada. O amarelado não está ‘em cima’ do plástico, ele faz parte da química dele agora.
O que diabos é o tal do Retrobright?
O Retrobright (ou Retrobrite) não é um produto específico que você compra pronto no supermercado, mas sim um processo químico. Ele foi ‘descoberto’ por comunidades de entusiastas de computadores antigos e consoles por volta de 2008. A lógica é simples: se o bromo oxidou e mudou a cor do plástico, precisamos de uma reação inversa para ‘desoxigenar’ ou neutralizar esse efeito. Para isso, usamos o peróxido de hidrogênio (a famosa água oxigenada) em conjunto com uma fonte de luz UV (que pode ser o sol ou lâmpadas especiais). O peróxido de hidrogênio age como um agente branqueador potente, e a luz UV serve como o catalisador que acelera a reação. Quando bem feito, o resultado parece mágica: o console volta à cor original sem danificar as texturas do plástico.
A lista de compras para a transformação
Para fazer um Retrobright de respeito em casa, você não vai precisar de um laboratório da NASA, mas alguns itens são obrigatórios. Primeiro, o protagonista: Água Oxigenada. Você pode usar a versão líquida de 10 volumes (mais lenta e segura para iniciantes) ou a de 40 volumes em creme (mais rápida, mas exige mais cuidado). Se optar pelo creme, aquele de farmácia usado para descolorir pelos funciona muito bem. Você também vai precisar de um rolo de plástico filme (aquele de cozinha) se usar o método do creme, ou um recipiente plástico transparente se usar o método de imersão. Outro item essencial é a luz UV. O sol é a melhor e mais barata fonte, mas se você mora em um lugar nublado ou quer fazer isso à noite, uma fita de LED UV ou uma lâmpada negra resolvem. Por fim, não esqueça dos equipamentos de proteção: luvas de látex e óculos de proteção. A água oxigenada de 40 volumes pode queimar a sua pele e causar manchas brancas bem chatas, então não vacile.
Mãos à obra: A importância de desmontar tudo
Aqui é onde muita gente comete o erro de iniciante: tentar fazer o processo com o console montado. Por favor, não faça isso! O peróxido de hidrogênio é um líquido corrosivo para componentes eletrônicos. Se você passar o creme e ele escorrer para dentro dos contatos, tchau console. O primeiro passo é desmontar o aparelho completamente. Tire a placa-mãe, os chips, os parafusos e as molas. Fique apenas com as carcaças plásticas e os botões. Aproveite esse momento para dar aquela lavagem caprichada com detergente neutro e uma escova de dentes velha para tirar toda a sujeira orgânica e poeira. O Retrobright funciona muito melhor em superfícies limpas, pois a gordura dos dedos pode bloquear a ação do produto e causar manchas desiguais.
Creme ou Imersão: Qual caminho seguir?
Existem basicamente duas escolas de pensamento aqui. O método do creme é ótimo para peças grandes ou quando você tem pouca água oxigenada. Você aplica uma camada generosa e uniforme de creme de 40 volumes em toda a peça e depois a envolve firmemente em plástico filme. O filme serve para impedir que o creme seque, pois se ele secar, a reação para e pode manchar o plástico com marcas brancas permanentes (o temido ‘marbling’). Já o método de imersão é considerado o ‘padrão ouro’ pelos restauradores profissionais. Você enche um pote com água oxigenada líquida, mergulha a peça totalmente e coloca sob a luz. A imersão garante que o produto atinja todos os cantinhos de forma igualitária, eliminando quase 100% do risco de manchas. Se você tiver como comprar galões de água oxigenada líquida de 10 volumes (que é mais barata), a imersão é o caminho mais seguro para um resultado perfeito.
O segredo está na luz (e na paciência)
Com as peças devidamente cobertas ou mergulhadas, é hora de deixar a química trabalhar. Se você estiver usando o sol, escolha um dia bem aberto e deixe as peças por cerca de 4 a 8 horas, virando-as de vez em quando para que a luz bata em todos os ângulos. Se estiver usando luzes artificiais em uma ‘caixa de cura’, o processo pode demorar um pouco mais, às vezes até 24 horas. O segredo aqui é a observação. De hora em hora, dê uma olhada no progresso. Você vai notar que o amarelo vai sumindo gradualmente. Não tenha pressa. Se você tirar antes da hora, o console pode ficar com tons desiguais. Se deixar tempo demais, o plástico pode começar a enfraquecer, embora isso seja raro com concentrações caseiras. O equilíbrio é a chave.
Cuidado para não estragar tudo: O temido efeito marmorizado
Lembra que eu falei sobre as manchas? O efeito marmorizado acontece quando o peróxido de hidrogênio age com intensidades diferentes em áreas próximas. Isso acontece muito no método do creme se houver bolhas de ar sob o plástico filme ou se o creme secar em alguns pontos. Outro fator de risco é o calor excessivo. Se o plástico esquentar demais sob o sol forte, a reação química acelera descontroladamente, o que pode causar essas marcas esbranquiçadas que parecem veios de mármore. Para evitar isso, se estiver um dia de calor extremo (acima de 35 graus), prefira fazer o processo na sombra com luz UV artificial ou em períodos do dia menos quentes. Manter a peça resfriada ou em uma temperatura estável ajuda a garantir que o branqueamento seja liso e uniforme.
Dicas de mestre para um acabamento profissional
Quer elevar o nível da sua restauração? Tenho alguns truques na manga. Se o seu console tem logos impressos (como o logo da Nintendo ou da Sega), a água oxigenada geralmente não os remove, pois eles são feitos com tintas resistentes. Porém, se o logo for um adesivo de papel, ele vai ser destruído. Proteja adesivos com uma camada de fita isolante ou retire-os com cuidado usando um secador de cabelo antes de começar. Outra dica: depois de terminar o Retrobright e lavar bem as peças com água corrente para tirar todo o resíduo químico, o plástico pode parecer um pouco ‘seco’ ou fosco. Você pode usar um pouco de silicone automotivo ou cera de carnaúba para devolver o brilho original e criar uma camada protetora. Isso faz uma diferença brutal no visual final, dando aquele aspecto de console novo que acabou de ser tirado da caixa.
Como manter o console bonitão por mais tempo
Depois de todo esse trabalho, você não vai querer que ele amarele de novo em seis meses, certo? O grande problema do Retrobright é que ele não ‘cura’ o plástico para sempre; ele apenas remove a oxidação atual. Como o bromo ainda está lá dentro, o amarelado pode voltar se o console for exposto novamente aos gatilhos. Para evitar isso, o ideal é manter seu videogame longe da luz solar direta. Se puder, coloque-o em uma estante que não pegue sol da janela. Outra solução mais definitiva é aplicar um verniz spray com proteção UV (fosco ou acetinado, dependendo do console). Esse verniz vai criar uma barreira física que impede os raios UV de atingirem as moléculas de bromo. Assim, seu Super Nintendo vai continuar cinza e maravilhoso por décadas, pronto para as próximas jogatinas nostálgicas.
